segunda-feira, 6 de abril de 2009

Área Senhor da Mente / Bhagavata Puranas

CAPÍTULO I - O HOMEM LÚCIDO E O DECAÍDO


E Krishna, o Bendito Senhor disse:
04 - Ó Uddhava! Ó alma nobre! Quando EU abandonar este mundo, ele ficará privado de seu bem-estar e logo a seguir passará a ser domina-do pelo espírito do mal, a deusa Kali, a destruidora e sustentadora da idade das trevas.
05 - E tu também, Uddhava, tão logo abandones este mundo, não perma-neças por aqui, porque os homens se entregarão ao mal na Idade de Kali.
06 - Superando o carinho que tens pelos parentes e amigos e renunciando a tudo, anda pelo mundo com um perceber equânime e fixa a tua mente completamente em Mim!
07 - Tudo o que acreditas conhecer através dos ouvidos, dos olhos, da consciência, da palavra e tudo o mais, dá-te conta de que é uma fic-ção do pensamento, simples fantasmagorias, destinadas, portanto, a perecer.
08 - O homem que não vigia seus pensamentos cai no erro de acreditar na multiplicidade das coisas. A crença na pluralidade conduz às egoísti-cas impressões de mérito e demérito. As diferenças que parecem e-xistir nas ações, nas não ações e nas ações ruins só dizem respeito ao homem que pensa no mérito e demérito.
09 - Portanto, controlando teus pensamentos e os sentidos que eles conta-minam, observa a este Universo como se estendesse em teu próprio íntimo e encara o teu ser como descansando em Mim, o Senhor Su-premo da Yoga e da Mente.
10 - Auto realizando-se, vivencia-Me e estando com a mente apaziguada pela realização do SER e sendo EU mesmo o SER de todos os seres com corpo aparente, que outros obstáculos poderão impedir-te?
11 - Suplantando as noções de mérito e demérito, de bem e mal, o homem lúcido, tal como uma criança, desiste de cumprir as ações proibidas simplesmente porque não vê nelas nenhuma mal ou vantagem e exe-cuta inclusive as ações prescritas, só que livre da impressão de que conduzem ao mérito.
12 - O homem lúcido é amigo de todos os seres e impregnado pela firme convicção da realização e vivência e considerando a totalidade vital como se constituída somente por Mim, ele se liberta definitivamente do sofrimento.
 
Uddhava disse:
14 - Ó Krishna, ó senhor da mente, ó tesouro dos yogues e personificação da Yoga, de Ti emana a Sabedoria Suprema! Para minha própria liber-tação, aconselhaste-me o Sendero da renúncia.
15 - Todavia, ó Deus Infinito, esta renúncia total aos desejos parece-me assaz difícil para os indivíduos de mente mundana e principalmente para aqueles que não se devotam a ti, ó SER de todos!
16 - Eu, pessoalmente, sou um tolo, posto que estou apaixonadamente apegado a este corpo, com suas respectivas relações – simples so-breimposições do teu próprio maya, misterioso poder que tudo enco-bre e tudo disfarça – e considero este corpo como um eu verdadeiro e tudo o que com ele se relaciona considero como meu. Ó Senhor, tem paciência e instruí este teu servidor para que possa cumprir firmemen-te tudo aquilo que lhe ensinas.
17 - Ó Senhor, até mesmo entre os devas (deuses, espíritos da natureza) não se encontra outro Mestre de seu próprio SER como Tu, que és auto-refulgente, que és o Atman (ou Alma Superior) e és a Verdade de tudo. Por exemplo, Brahma (o Criador, um dos deuses relativos da tri-múrti indiana) e todos os seres dotados de corpo, por meio do qual acabam sendo conhecidos, são enganados por teu próprio maya e, sendo tudo aparências, eles mesmos se confundem e consideram es-te mundo objetivo como se fosse real.
18 - Por conseguinte, perturbado por minha própria ignorância e trevas, refugio-me em Ti, que és o SER Supremo e o Amigo do homem.
 
O Bendito Senhor disse:
19 - Freqüentemente, neste mundo, os homens que discerniram de fato a Verdade a respeito da Totalidade Vital, graças a seus próprios esfor-ços, libertam-se das tendências malignas.
20 - Somente o SER é o Mestre de todos os seres, principalmente o SER nos homens e é ELE que conduz, por meio da reta percepção e do re-to entendimento, ao bem-estar, à paz interior.
21 - Os que estão mentalmente equilibrados e dominam a Yoga e o Reto Conhecimento conseguem Me perceber em meu corpo humano, ple-namente manifesto e dotado de todos os poderes.
22 - Existem muitas cidades manifestas; algumas com uma, duas, três, qua-tro ou muitas pernas e outras inclusive desprovidas de pernas, mas o corpo humano é a Minha Cidade predileta.
23 - Em tais cidades, os homens que estão com os sentidos sob controle Me buscam diretamente a Mim, o inescrutável Senhor.
24 - E a propósito disso, amigo Uddhava, existe uma velha narrativa que se refere ao diálogo entre Yadu, o rei da coragem sem par e um Avadhu-ta.
25 - Vendo ao brâmane Avadhuta, jovem e erudito, que vagava sem medo algum, perguntou-lhe Yadu a respeito da religião, em relação à qual era muito versado.

Yadu peguntou:
26 - Ó brâmane, estando livre do fruto das ações como estás, de onde obti-vesse tão grande discernimento, graças ao qual andas pelo mundo como uma criança, não obstante sejas um grande Sábio?
27 - Geralmente e na maioria dos casos, os homens se esforçam por alcan-çar virtudes, para conseguir riquezas ou são assaltados por um forte desejo de conhecer o atman, quando em verdade tal desejo é um simples propósito de alcançar vida longa, fama e prosperidade.
28 - Tu, porém, que és capaz de tudo, que és instruído, hábil bem apessoa-do e possuis uma fala agradável, nem trabalha nem te esforças no mínimo necessário, como se fosse um idiota, um louco ou um asura (demônio ou espírito do mal).
29 - Enquanto as pessoas são abrasadas pela fogueira da luxúria e da cobi-ça, tu nem sequer sentes os deletérios efeitos de dito fogo e ficas livre de sua influência, como um elefante no meio do rio Ganges.
30 - Ó nobre brâmane, para nós que te estamos interrogando, conta-nos de onde te provém à felicidade de seres tu esmo, unicamente, vivendo uma vida solitária e ficando totalmente impassível diante dos objetos sensoriais!
 
E o Bendito Senhor complementou:
31 - E interrogado de forma tão honrosa pelo inteligente Yadu, adepto dos brâmanes, o nobre Avadhuta dirigiu a palavra ao rei, que diante dele se inclinava numa profunda reverência.
 
O brâmane Avadhuta disse:
32 - Ó rei, por meio do entendimento de muitos mestres tenha a quem acu-dir; e, graças à sabedoria que deles recebi, ando pelo vasto mundo sem qualquer impedimento. Ouve quem são meus Mestres:
33 - A terra, o ar, o céu, a água, o fogo, a lua, o sol, a pomba, a cascavel, o mar, a mariposa, a abelha, o elefante.
34 - O buscador de mel, o cervo, o peixe, a cortesã Píngala, a águia mari-nha, a criança, o jovem, o fabricante de flechas, a serpente, a aranha, o inseto chamado bhramara-kita.
35 - Estes, ó rei, são os vinte e quatro Mestres a quem acudi; de suas ma-neiras de ser e características, recolhi toda a minha sabedoria.
36 - Ó neto de Nahusha, contar-te-ei a lição que aprendi de cada um e co-mo a aprendi. Ouve-me bem.
37 - O homem de firme entendimento, mesmo que se ache oprimido por seres que por sua vez são regidos pelo respectivo karma, não deve se desviar do seu caminho. Esta é a lição que aprendi da terra.
38 - Para o homem se tornar verdadeiramente bom, deveria aprender da montanha como orientar as suas ações, para o bem do próximo, sem exceção. Inclusive o próprio renascimento deve ser inteiramente dedi-cado para o bem dos outros. Ao mesmo tempo que se dedica a isso, como discípulo das árvores, deveria aprender a estar sempre à dispo-sição de todos.
39 - O sábio de verdade deve contentar-se em satisfazer apenas as suas funções vitais e nunca buscar coisas que possam exaltar a sensação contaminada a fim de que o seu reto entendimento não se perca, nem se extravie a força da mente centralizada, com sua fala gentil.
40 - O yogue que crê mover-se entre os mais diferentes objetos sensoriais jamais deve apegar-se a eles. Por conseguinte é aconselhável que mantenha a mente livre das virtudes e dos defeitos pensados que dos objetos parecem emanar, tal como o próprio vento.
41 - Ainda que julgue perscrutar os corpos materiais e de seu próprio pen-samento saltem fora os atributos, o yogue, neste mesmo mundo, com sua percepção sempre fixa no SER, não se deixa afetar pelos atribu-tos dos supostos corpos materiais, tal como o vento, que não se deixa afetar pelos aromas que transporta.
42 - Mesmo que viva aparentemente numa forma corporal é conveniente que o sábio medite sobre a sua identidade com o SER e também so-bre a Unidade de tudo, sobre o desapego e sobre a similitude que há entre o céu e o atman onipresente, substrato de tudo o que parece móvel e imóvel.
43 - Tal como o céu permanece impassível diante de tudo àquilo que o fogo, a água e a terra possam produzir e emanar e fica impassível também diante das nuvens que o vento convém que o homem permaneça di-ante de tudo aquilo que é criação do tempo.
44 - Puro, cordial por natureza, amável, fonte de santidade, o sábio, tal co-mo a água, purifica a todos os que o vêem, tocam ou louvam.
45 - Reluzente, resplandecendo graças à austeridade, poderoso sem ter outro receptáculo para a comida a não ser o estômago e comendo de tudo, aquele que se domina a si mesmo, tal como o fogo, não fica con-taminado pelo que absorve.
46 - Às vezes disfarçado, outras vezes apresentando-se com seu aspecto verdadeiro, tal Sábio, ao qual acorrem os que buscam o bem-estar, em qualquer parte que esteja, como o que lhe dão, destruindo os maus karmas passados e futuros dos doadores.
47 - O Senhor Onipresente, que penetra esta Totalidade Vital (Cosmo), densa e sutil, criada pelo seu próprio maya (força engendradora de aparências), só pode atuar quando toma a forma dos diferentes obje-tos e seres, tal como o fogo, que assume a forma das coisas que queima.
48 - As fases que vão desde o nascimento até o desencarne pertencem ao corpo e não ao Atman; similarmente as fases da lua são ocasionadas pelo tempo, cuja marcha é incognoscível.
49 - O nascimento e a morte, ainda que continuamente afetem os corpos, devido à tremenda velocidade do instante, jamais se soube que pu-dessem afetar o SER; similarmente acontece com as chamas (que se movem rápidas) e com o fogo (que permanece parado).
50 - O yogue aceita (sem apego nem rechaço) o contato entre os gunas sensoriais (ou órgãos do sentido) e os gunas objetivos (ou objetos dos sentidos, aparentemente materiais, mas em realidade psicofísicos) e, sem se identificar com isso, no mesmo instante devolve a impressão (pensada e que poderia extravia-lo), tal como o sol devolve o vapor de água, que pareceu absorver por meio de seus raios.
51 - O Atman, tal como o sol, é firme em si mesmo. Ninguém o percebe como estando sujeito a variações; porém, quando se manifesta atra-vés de um objeto, os tolos o consideram como se estivesse identifica-do com tal objeto.
52 - Em nosso coração não devemos abrigar muito carinho e apego em relação a algo ou alguém. Quem se descuida é vítima de tremendas aflições, como a pobre pomba.
53 - Determinada pomba construiu no bosque seu ninho sobre uma árvore e aí viveu alguns anos com seu companheiro.
54 - Com seus corações unidos por laços de amor, o casal ia vivendo a vida familiar, passando os dias em íntima camaradagem, com os olhos fi-xos um no outro, ambos cuidando o bem-estar recíprocos.
55 - Naquele bosque, executavam juntos todas as coes, como descansar, pousar sobre ramos, voar, dormir, falar, brincar e comer – sem a mí-nima preocupação e medo.
56 - Qualquer coisa que a pomba desejasse, ele imediatamente cumpria o desejo dela, ó Rei, nem que fosse à custa de grandes esforços, pois era escravo do que sentia.
57 - Passando o tempo, a boa pomba pôs seus primeiros ovos na presença do macho.
58 - No seu devido tempo, daqueles ovos surgiram os filhotes, com frágeis peninhas e penas macias e com os traços característicos esculpidos pelo poder inescrutável de maya.
59 - O feliz casal, totalmente dedicado aos filhotes, educou os pequeninos, escutando-lhes os gorjeios com tão doces acentos.
60 – Os pombinhos mostravam-se alegres e seus pais sentiam-se felizes ao ver suas asinhas tão suaves ao tato, ao ouvir seu canto, ao contem-plar seus graciosos movimentos e vendo como eles se adiantavam pa-ra recebê-los, quando o casal regressava trazendo-lhe comida.
61 - Tanto ele como ela, com seus corações interligados pelo amor, seduzi-dos pelo Maya, o forjador de aparências, criaram seus filhotes sem perspectivas mais altas para a vida.
61 - Certo dia, o casal em busca de alimento para os pequenos e com tal finalidade estiveram vagando longo tempo pelo bosque.
63 - Um caçador, passeando ao acaso pelo bosque, deparou-se com os pombinhos, que revoavam próximo ao ninho e, armando-lhes uma ci-lada, aprisionou-os.
64 - O casal de pombos, sempre impaciente para agasalhar seus filhos, regressou ao ninho trazendo a comida.
65 - A pomba, vendo os filhotes presos na armadilha, atirou-se desespera-damente sobre essa, chorando e gritando ao mesmo tempo.
66 - A pobre pomba mãe, que por causa do próprio maya estava totalmente enlaçada aos seus queridos por tremendos laços de amor, caiu, ela também, dentro da armadilha, tudo porque viu aí seus filhotes presos; não pode evitar a cilada, pois estava fora de si, tanta era a sua dor.
67 e 72b - Seu pobre companheiro, vendo todos os seus queridos prisionei-ros na armadilha, os quais se debatiam contra a garra da morte, seus filhos que amava mais do que a si mesmo, a sua amada esposa e companheira digna, começou a soluçar, amargamente aflito.
68 - Ai de mim! Olhai quanta calamidade! Desgraçado e infeliz de mim! Para que me serviu ter-me satisfeito e ter alcançado a perfeição completa de minha vida, meu lar, minha família, se esse lar, que cumpre o obje-tivo tríplice da vida, desapareceu?
69 - Agora, minha esposa e companheira amorosa, sempre afável e que me considerava como seu próprio deus, subiu ao céu com seus filhotes queridos, deixando-me só e abandonado nesta casa deserta.
70 - Haverei de seguir vivendo neste lar abandonado, como um miserável e aflito, viúvo e sem filhos, quando a vida para mim, daqui por diante, só poderá significar tristeza e desespero?
72a e 72c - E vendo a seus queridos presos na cilada mortal o pobre e infe-liz pombo também perdeu o juízo e atirou-se na mesma armadilha.
73 - Da mesma maneira, ó rei, acontece com o homem de família que, não estando com seus sentidos sob controle, se deleita com os pares de opostos e, crendo ser um pai de família exemplar, tanto ele quanto tu-do o que ele julga pertencer-lhe caem na desgraça.
74 - Aquele que conseguiu nascer na condição de ser humano, e que pos-sui uma porta aberta para a imortalidade ou libertação final, mas que como a pomba preocupa-se somente pelo que se refere à sua família, é considerado como um filho pródigo, alguém que decaiu de seu anti-go estado de plenitude.

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